quarta-feira, junho 30

Em todos os beijos

Quando te beijo, beijo todas as bocas que antes beijaram a tua. Beijo todas as vidas que viveste sem mim. Tu és os erros, os dias felizes, as decisões certas, as palavras, os arrependimentos, as tristezas, os silêncios, os dias e as noites de que a tua vida se fez.Tu és feito dos momentos que passaste. Foste construído com tijolos de memórias e continuas de pé. Muralha intransponível e maciça. Não posso alterar-te. Porque não posso alterar o teu passado e tu és feito dele. Todo tu és os acasos que viveste. As dúvidas. As penumbras. Todo tu és essa incógnita de não se saber se serias diferente, tivesses tu outro passado qualquer.Se te quero, quero o que viveste antes de mim. Se te amo, amo o que amaste antes de mim. Vivo com as pessoas que te tocaram. Sinto as bocas que te morderam. Oiço as palavras que te disseram ao ouvido. E esta sou eu. Este corpo massacrado de silêncios. Esta ausência de coisas vitais. Este labirinto do meu passado sem o qual eu seria outra mulher qualquer.Existem em ti outros corpos, como fantasmas. Existem em ti outras vidas. Que eu beijo cada vez que te beijo a ti. Que eu sinto cada vez que te sinto a ti. Que eu amo porque te amo a ti.


Por Nélia Rufino
 
Diz-me, quando é que parámos com a sintonia de lábios? Quando é que deixámos de falar a mesma língua e passámos a ser habitantes de babel, distantes na fala, distantes nos conceitos, distantes em tudo o que outrora nos tornava um só?

sábado, junho 26

The corner of our love

"I remember the corner.
The corner of your colour, the corner of your smile.
The corner where we kissed.
The street corners turning into the corners of the corridor.
Into the corners of the room where we lay.
The corners of your mouth, of your eyes.
The corners of words we didn't finish.
The corner of your name.
On the corner where we parted.
I remember the corner."

sexta-feira, junho 18

A força das ondas

E ali estava ela sentada à espera que o mar o trouxesse de novo. A suplicar às ondas que o engolissem e o arrastassem para perto de si. A rezar aos deuses que lhe tocassem uma balada de volta. Aguardava ali, quieta, pávida e serena que ele viesse e lhe tirasse o sabor salgado dos lábios, que lhe dissesse que o seu lugar era consigo e que nem todas as coisas são certas mas que o seu coração tinha o nome dela cravado a cinzel.
Os dias contavam-se e Luna continuava ali, com as pernas cruzadas e os braços apertados com o frio da sua ausência, a rogar pragas às pegadas que ele havia deixado. Desfazia as mãos com lágrimas que lhe escorriam pelo pescoço. E mergulhava. Procurava-o entre as rochas e as algas, entre o medo e a saudade. Largava sangue pela areia e sentia os lábios frios, mortos, carregados de saudade e desespero. Corria. Saltava rochas e dunas apenas para o encontrar. Fugia dos rugidos do vento e tentava derrubar cada segundo com memórias demasiado gastas. Mordia-se. Arranhava-se. Sufocava-se de solidão e cortava o peito com lâminas de luz. Esperava. E por segundos, por leves segundos, sacodia os cabelos negros como tentativa de expulsar o sal deixado pela maresia e pela ausência dele.
Vivia de ar e de esperança semanas a fio, alimentava o mar com lágrimas e prantos. E quando achava que não havia nada a fazer, a esperança, essa viúva negra persistente, segredava-lhe ao ouvido que ele havia de voltar. E ela esperava. Desesperava. Sentia uma angústia incalculável, como se tivesse sido baleada no peito.
Passaram-se anos e Luna viu as marcas do tempo no seu rosto. Até que, num dia de tempestade viu a morte chegar. Implorou-lhe que esperasse por aquela paixão que tanto anseava receber. E a morte, essa tão maldita perfeição não acatou o pedido dela, levando-a consigo por mar adentro.
E aquele amado, aquele monstro dos sete pecados não soube que ela o esperou anos e anos naquela praia. Nunca se lembrou do passado que tinha deixado para trás. E ele nunca veio. Ele nunca chegou.