quarta-feira, junho 30

Em todos os beijos

Quando te beijo, beijo todas as bocas que antes beijaram a tua. Beijo todas as vidas que viveste sem mim. Tu és os erros, os dias felizes, as decisões certas, as palavras, os arrependimentos, as tristezas, os silêncios, os dias e as noites de que a tua vida se fez.Tu és feito dos momentos que passaste. Foste construído com tijolos de memórias e continuas de pé. Muralha intransponível e maciça. Não posso alterar-te. Porque não posso alterar o teu passado e tu és feito dele. Todo tu és os acasos que viveste. As dúvidas. As penumbras. Todo tu és essa incógnita de não se saber se serias diferente, tivesses tu outro passado qualquer.Se te quero, quero o que viveste antes de mim. Se te amo, amo o que amaste antes de mim. Vivo com as pessoas que te tocaram. Sinto as bocas que te morderam. Oiço as palavras que te disseram ao ouvido. E esta sou eu. Este corpo massacrado de silêncios. Esta ausência de coisas vitais. Este labirinto do meu passado sem o qual eu seria outra mulher qualquer.Existem em ti outros corpos, como fantasmas. Existem em ti outras vidas. Que eu beijo cada vez que te beijo a ti. Que eu sinto cada vez que te sinto a ti. Que eu amo porque te amo a ti.


Por Nélia Rufino
 
Diz-me, quando é que parámos com a sintonia de lábios? Quando é que deixámos de falar a mesma língua e passámos a ser habitantes de babel, distantes na fala, distantes nos conceitos, distantes em tudo o que outrora nos tornava um só?

Sem comentários:

Enviar um comentário

arrisca(-te)