sábado, setembro 11

A soma dos dias

Deixei de tirar fotografias. Eu que sempre gostei de captar e sobretudo conservar momentos especiais em imagens, deixei de o fazer. Eu que andava sempre de mão dada à minha máquina atrás das tuas expressões que insistias em esconder larguei rotinas.
Recordo-me que o melhor que consegui captar foi o teu olhar tímido, com um sorriso esquivo e uma expressão um tanto ou quanto eloquente. Algo segura, até. Um olhar distante, como se soubesses o que estava para vir.
Eu, que sempre adorei cravar o teu rosto pelo meu quarto, passei a preferir lembrar-me de ti institivamente, como se aquilo já fizesse parte de mim e não precisasse de recursos fáceis, cábulas palpáveis que já não me satisfazem. Essas estão aquém do sentimento que ainda me trazes e ao qual não consigo resistir. Por culpa minha, reconheço. Sou fraca, sempre o fui. Quando falo de ti, perguntam-me, incrédulos, como é possível eu ainda dar ouvidos a fantasmas e há quem se atreva a afirmar convictamente que eu não te ultrapasso por teimosia minha.
Não preciso de fotografias para te ver. Nos dias ensolarados olho para a minha sombra e lá estás tu, a espiar-me com um sorriso desconfiado. Afinal, deixei de ser apressada. Passeio, pausadamente, com um peso no peito, tentando tornear, sem sucesso, a obcessão em que te tornaste.
Não eras o meu tipo, nem nada que algum dia sonhei ter. Demasiado baixo, sempre demasiado descontraído, mãos agrestes nos bolsos e uma confiança estrondosamente irritante. Pouco te importavas com o que os outros pensavam, ou pelo menos, era essa a impressão que tentavas dar. Um guarda roupa banal, cheio de aprontos e duplos. Eu, exigente, gostava de rapazes seguros, direitos, com o olhar firme e mãos torneadas. Tinhas o teu estilo, cheio de ti mesmo. Sempre com um cheiro irresistível e um relógio elegante. Uma marca clássica. O teu olhar terno e sereno, de quem viu tudo, repousava numa energia enlouquecida e enebriante que transpiravas. Acrescentavas um sorriso picante, algo invulgar. E eu sentia-me estranhamente explosiva por tal privilégio de eleição, perturbada, a imaginar como seria acordar para a realidade.
A felicidade consegue ser aterradora. E eu nunca consegui lidar com ela. O que viria a seguir? Que faria eu da minha vida, depois de atingir um objectivo tão promissor? Sempre gostei de dificultar as coisas, criar regras dispensáveis para não acabar com o sabor da vitória tão facilmente. Assim, quando já te tinha, destinei-me a viver sem ti, para que a minha vida não acabasse ali, de imediato. E eu enganei-me. Achei que se usasse truques com o meu coração vencia a guerra. E a bomba estourou antes de qualquer comemoração. Tu não sabias gerir e eu fui feita para ser controlada. Tu preferias um porto seguro e eu agia por impulso. Disse-te que não te merecia. Adorava-te, mas a minha missão nesta vida não eras tu. Não te veria mais. Prosseguiria só. Foi a única vez que te vi chorar. Em silêncio. Já antes não acreditavas nas pessoas, tinhas sempre um pé atrás em relação ao sexo feminino e aceitaste um castigo que não era teu. Conformaste-te mais uma vez.
Agora, à noite, aconchegada pela luz indirecta, ausente de sombras tuas, trinco distraidamente um cacau desfeito de nós. Recordo-te num beijo rotineiro de filme falso e mudo de canal. Alheia ao que dele sai, mergulho na imensa verdade que tínhamos tão pouco em comum; que as discussões que não aconteceram eram prenúncio do silêncio que viria a seguir. E que o instinto era a única forma de manifestação viva de interesse mútuo. Lembro-me que as nossas bocas se pegavam e os nossos corpos se encaixavam num amor sem a mácula que era vísivel na tua pele de toque suave.
E, ao abrir os olhos, custa-me a acreditar que estou enterrada nesta ausência de ti, cheia de saudade e doença.

domingo, setembro 5

Olhos em fogo

- Estás ligada a um Passado. Não importa onde vás, com quem estejas ou o que trazes vestido. És um espectro solto com uma corrente ao pescoço. Optarás sempre pelo caminho mais fácil. Seguirás sempre o rasto da Esperança e desesperarás quando não encontrares uma saída. Irás estar sempre neste sufoco. O Inferno da Saudade irá sempre ser o teu lar. Podes dizer adeus aos teus sentimentos. Esses irão estar aprisionados em mim e nunca poderás tê-los de volta. Muito prazer, sou o Monstro do Amor.