sexta-feira, fevereiro 26

O corpo cá dentro: break even point


-Sabes o que é que mais gosto em ti?
- O quê?
- O facto de não conseguir ver o que vai dentro da tua cabeça. Isso torna-te menos prevísivel e mais misteriosa.
E houve um dia em que o beijo suave foi um beijo de quero-te para mim. E ela entrelaçou a sua língua na dele, como uma promessa de amor para sempre. Como nos filmes demasiado fáceis. E foi por isso que não foi fácil, porque ela, metade mulher, metade esfinge, achou demasiado fácil apaixonar-se por ele e então quis apenas que fossem amigos, apesar dos beijos, apesar das horas passadas a sonhar com minutos impossíveis, apesar do frio gélido do inverno rigoroso, apesar de todo o sadismo, da falta de pudores e desejo à volta deles, apesar da distância e da proximidade. Apesar da paixão que lhe tinha decidiu que não podia ser fácil e portanto complicou o que poderia ter sido somente uma banal história de amor-adolescente. E então ele lutou e fez das tripas coração e usou todos os clichés, apenas para dizer que a queria, beijou-a sufocando-a, como se o mundo fosse acabar ali, soube sempre onde ela estava, com quem e a fazer o quê. mas não soube que ela também o queria consigo e que a fuga dela era tão somente a sua forma de prolongar aquela paixão, de a tirar do corredor da morte das coisas demasiado fáceis a que ela não conseguiria nunca sobreviver. E então complicou-lhe ainda mais a vida, fugiu dele como o diabo foge da cruz, ignorou-o, tratou-o como se trata uma parede qualquer, fingiu que não o via, usou e abusou da sorte. Até ao dia em que ele, esgotado de tanto se consumir por ela, de achar que ela era uma serpente e de se ver sem futuro nem nada onde se agarrar resolveu que o melhor era esconder-se, seguir outro caminho só para não passar por ela, ir para qualquer lado onde ela não estivesse, apesar de todos os lugares lha fazerem lembrar, principalmente porque, onde quer que fosse, ele a levava consigo acorrentada no pensamento e no peito. E ela sentiu-lhe a falta e quis falar com ele, procurou-o, percorreu os caminhos dele, virou este mundo e o outro à procura dele, apenas para lhe dizer bom dia, para lhe dar um beijo quase na boca e para lhe dizer que aquilo sim, era uma paixão arrebatadora, das difíceis, quase impossíveis que eram as únicas que ela sabia viver.e ele não soube que ela o procurou por todo o lado, que chorou mais do que o possível, que viveu de ar e esperança semanas a fio e que se sentiu morrer por dentro quando achou que não havia nada a fazer. Embora a esperança, essa viúva persistente, lhe tenha segredado todos os dias que ele havia de voltar. E ela foi ao único sítio onde era impossível que ele estivesse, apenas para imaginar como seria vê-lo ali, à porta daquele quarto, já com os valores vestidos, pronto para sair.
Por Nélia Rufino, (muito) adaptado.

sexta-feira, fevereiro 19




-Hoje estás eufórica de felicidade. Que se passa?
- Não sei. Acho que ando a morrer por dentro.

Hoje decidi por-me à prova. Esfaqueei nos meus braços todos os teus defeitos. Tentei rebentar a linha com que me coseste os lábios e as cicatrizes parecem não querer sair. O meu sangue corre como um louco e tenta cada vez mais tornar-se imortal. Hoje decidi penetrar-me de amor por mim mesma, levar o meu ego à loucura e sentir que, pelo menos, ainda estou meio-viva. Hoje quis pregar por aí a (nossa) palavra para que a minha mente não apodreça. Adeus meu monstro do prazer.

quarta-feira, fevereiro 17

A (In)satisfação que há em nós






- O amor não se faz. O amor desaba sobre nos já feito.





Não me contento. Não me chega o teu suor a escorrer-me pelo peito. Não me satisfaz o teu quase gemido de dor. Simplesmente não me contento! Falta(-nos) ousadia. Esfregares os teus dedos em mim e lamberes as minhas lágrimas é pouco. Quebrar as tuas costas em dois não basta. Quero mais. Quero desfazer isto que me obrigaste a moldar.
D
a última vez que quase que me sufocaste de sentidos, dei por mim a pensar se valia ou não a pena. E eu que julgava que farejar o teu corpo era uma tarefa demasiado dificil para conseguir por a minha mente a divagar... Quero acabar com este tormento que me sussurra aos ouvidos sempre que te aproximas de mim. Preciso de embeber a tua sede e libertar-me só um pouco das tuas garras.
Não me contento. Há uma tão imensa falta de emoções, de sentidos arrojados e sentimentos apurados. Desculpa mas esmagar-te a cara de desejo não basta. Quero mais. Sempre que dizes que estamos acabados, eu ainda não terminei o meu discurso. Sempre que sais deste quarto com plena satisfação a minha alma continua aqui. E sinceramente não me importa o vocabulário ordinário com que comunicamos porque sempre combinámos despir os valores à porta. Contudo, se por vezes não o faço, não é por simples distracção mas pela imensa falta de sentimentos. Sim, para mim o ódio também é gostar só que eu já passei essa fase há algum tempo. Preciso de mais. Muito mais.
Não me contento. Ficar ao teu lado neste chão lamacento e fazer-te correr água pelo cabelo não basta. Cravar-te pregos nos ouvidos e ouvir a tua garganta rasgar-se de tanto berrar não me satisfaz. Sentir a falta de um batimento no teu tique-taque cardíaco perturba-me e confesso-te que me assusta cada vez mais. E eu que adoro a tua falta de humanidade a correr-te pelas veias... Quero mais! Rasgar pedaços da tua língua e ver o teu sangue cair como um louco já não me fascina. Desculpa mas já não me bastas.



Se me desejas tanto quanto eu te desejava dá-me luta, corta-me os pulsos se for preciso, mas por favor, dá-me amor.


terça-feira, fevereiro 16

Espaço vazio



Às vezes dá-me vontade de cair. Dá-me vontade de tropeçar, bater com a cara no chão, partir o queixo e esfolar os joelhos. Às vezes apetece-me jorrar sangue como uma fonte e entrar em coma (induzido) para nunca mais acordar. Às vezes desejo ser violada no meio do chão e vomitar em cima do meu concretizador de sonhos. Às vezes tenho a sensação que beijar o teu corpo demente não chega, que precisava de te arrancar um pedaço de carne e saboreá-lo para ver se sabes mesmo a lã ou se não passas de caril com gambas. Às vezes passa-me pela cabeça a história da minha morte.
Não precisas de horas pornográficas nem de ordens para começar. Avistas-me ao longe e agarras os meus braços exaustos de ti. Ao teu mínimo toque entra em mim um verme e das minhas entranhas defeco o meu amor. Nisto, respiro fundo e morrem de vaidade os meus valores.
Não suporto ver-te engolir a minha saliva. Odeio ver que dessa tua cara de jejum e dessas tuas mãos nauseabundas de terra saiem frutos. Apercebeste-te disso bem no começo. Eu dei-te a matriz logo no ínicio porque afinal, quem sempre comandou as tropas foi a minha força de mulher-esfinge.
Mordo-te a língua e quase que morro envenenada. Quase que me sufocas de sentidos. Quase que me corróis as veias. Por segundos, deixo de inspirar. E tu, carente de amor, cegas-me os olhos com lanças de cristal, como se de uma certa nostalgia fosse eu feita. Cerras-me a vista mas não a audição. O teu tique-taque cardíaco continua e encurtas-me os passos puxando-me, rasgando-me, penetrando-me.
E continuas insatisfeito. Sussurras-me ao ouvido que nao te chega a minha dignidade e gritas. Gritas o quanto queres a minha alma, a minha pura alma. As tuas cordas vocais rasgam-se ao prolongares o teu discurso de homem-esfinge, "Volta-te para mim! Quero-a aqui nas minhas mãos! Dá-ma!".
Afinal que sede de mim é essa meu monstro do prazer? Que promessas eram aquelas de ferocidade, de violência, de rasgões de carne, de frialdades do prazer? Onde está o meu corpo gelado, sujo e pisado? Onde está o tal cheiro a orgasmos e cigarros apagados?