terça-feira, agosto 24

(A)gostos

Ficávamos sempre ali, à sombra de um chorão. Deitados no chão, de cabelos desgrenhados , com as mãos afastadas do corpo, as pernas ternurentas. Deitados, apenas. A ver os nossos corações suspensos no ar, com o céu e o sol como fundo. Tu e eu, dias inteiros. Contávamos todos os episódios dos últimos anos. Íamos conversando, gesticulando língua e dentes à medida que a memória puxava por mais. E ríamos. Tínhamos 15 anos e parecíamos ter 5. E acreditávamos tanto um no outro... Perdemos o rasto ao que sentíamos, foi isso? Por consequência das linhas do tempo, aquilo que nos unia é hoje um fio fininho, como um fio de teia de aranha. Que suporta tudo, dirás. Porém frágil, digo-te eu. Depois, ao final da tarde, pegávamos nos nossos corações e íamos apanhar amoras e comê-las quentes, directamente das silvas. Acabávamos a comparar línguas, a ver quem tinha a língua mais rôxa, ou preta. Depois, para ficarmos iguais, como dois esfinges sem alma, beijávamo-nos e perdíamos a noção dos prazos impostos e quando nos largávamos o sol já dobrava o horizonte e apetecia-nos sempre mais beijos. Que eram doces, como amoras em Agosto. Que voltes. Só quero que voltes. Que me abraces e digas que foi tudo um monstro já morto pelas estações do ano, um momento de fragilidade mais forte do que nós. Que me sorrias e me seques as lágrimas que hão-de chegar-me aos olhos, mal olhe para ti. E que me envolvas nos teus braços.
Depois voltávamos para casa de sorrisos rasgados. Sentia o teu pescoço, batia com as pontas dos meus dedos na tua clavícula e trincava-te o lábio.
No fim, davas-me um beijo na testa e dizias "Até logo, meu esfinge". E eu entrava em casa cada vez mais certa de que eras tu. De que a metade que me faltava tinha o teu nome e o teu cheiro e de que os teus beijos eram tudo o que eu precisava para ser feliz.

1 comentário:

  1. http://www.youtube.com/watch?v=V3i052LjbNo - escondido atras de uma carapaça dura, fico perdido quando te vejo

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