Os calafrios percorrem todo o meu corpo quando ouço o toque das tuas mãos sobre o gatilho. É uma lembrança tão gélida, capaz de trazer o poder de escuta da tua pele sobre a arma. São as lembranças apodrecidas pelo tempo que me fazem temer-te. É a prova (não) viva de que o passado influencia e molda a nossa vida. De uma cor enegrecida pelos nossos defeitos, a arma dançava nos teus dedos num ritmo só teu. Depois de tantos segredos revelados pensava que te conhecia os movimentos mas bastava visualizar a forma de entrelaçar os dedos, para me aperceber do quanto estava enganada. O toque das tuas mãos carregadas de calos e unhas mastigadas sobre a minha possível causa de morte brincava com uma dávida de deuses macabros. O teu sorriso malicioso desenhava-se serenamente, bloqueando-me o olhar. Passava a mão sobre o cabelo e tapava o rosto para não teres acesso aos meus sentimentos. A água salgada dos teus olhos escorria-te por entre o nariz. Quente, amarga como veneno. E, de repente, a dança frenética dos teus dedos parou:
- Porque é que não me queres?
- Não te escolhi.
- Simplesmente assim? Qual é o motivo?
- Não se pode escolher quem se ama. - As palavras infiltraram-se lentamente no ambiente e espalharam-se pelo meu corpo. Por mais absurdo ou soberbo que pareça, ainda consegui ouvi-las uma segunda vez. O meu olhar vazio ainda pediu compaixão. Só me lembro de ver a arma apontada para o meu peito e ouvir o teu dedo forte no gatilho, pressionando-o. Quando coloquei a mão direita sobre a ferida mortal, adormeci.
Por David Pimenta, (muito) adaptado.
'' Deixo livre as coisas que amo, se elas voltarem para mim foi porque as conquistei, se nao voltarem foi porque nunca as tive. '' .
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